José Brandão
Composer
This piece was based on a poem by João Sousa
Está frio, é tarde
E, por entre a neblina da floresta,
Chora sentando no alpendre um velho.
Na transparência da lágrima que, lentamente, desliza pelo seu rosto,
Percebe que nunca chorou.
Balança na cadeira.
É sozinho com o vento:
Uno com uma liberdade desconhecida.
A afincada realidade que não viveu fere-lhe um corte no braço e dele jorram sementes.
Chora por não ter colhido flores.
Devia ter plantado rosas,
Mas ficou-se por pétalas azuis que nunca viu crescer.
Balança uma segunda vez.
Sufoca no sentimento de traição - vê agora que foi seu próprio abandono.
Reza uma última oração ao deus que nada lhe ensinou
E congela na dor das palavras que não disse.
Fecha os olhos e balança uma última vez.
Sofre sentando no alpendre um velho.
Ainda hoje caminhará à sepultura,
Num passo largo e pesado de ave que nunca voou.
(05.01.18)